NOTA DE REPÚDIO AO PROJETO DE LEI Nº 000231/2019

Postado por: Tiago Duque

Para o Senhor Governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja e os/a deputados/a da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul;

 

Nós, professores/as pesquisadores/as, vinculados/as ao Núcleo de Estudos Néstor Perlongher (NENP), Impróprias – Grupo de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Diferenças, Liga Acadêmica Multidisciplinar da Saúde do Adolescentes (LAMSA) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), repudiamos a aprovação da Lei Nº000231/2019, pelos motivos expressos abaixo:

Várias pesquisas científicas apontam para a ausência do conteúdo dança nas escolas brasileiras. Especificamente em Mato Grosso do Sul podemos citar a pesquisa realizada por Marcelo Rosa et al (2020)[1], que trata do interesse da aprendizagem do funk pelos/as alunos/as e a dificuldade/resistência da escola em possibilitar tal conteúdo.

Dito isso, pensamos que ao invés de propor uma lei que censure e puna os/as poucos/as professores/as que trabalham com dança na escola, o Estado de Mato Grosso do Sul deveria somar esforços em criar ações que qualifiquem os/as profissionais da educação para o ensino desta importante manifestação artística e dos Direitos Sexuais e Reprodutivos, incluindo o ensino sobre gênero, sexualidade e diferenças no espaço escolar.

Importante mencionar que a dimensão atitudinal (valores, comportamentos, atitudes e relações sociais) fazem parte dos conteúdos escolares e questões ligadas à sexualidade e gênero perpassam tal dimensão. Podemos verificar isso no documento oficial que norteia a educação nacional – Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2017).

No que tange à seriação dos conteúdos para a disciplina Educação Física, para o 3º ao 5º ano temos a seguinte habilidade a ser desenvolvida conforme a BNCC: “(EF35EF12) Identificar situações de injustiça e preconceito geradas e/ou presentes no contexto das danças e demais práticas corporais e discutir alternativas para superá-las”. Ou seja, discutir questões ligadas aos estereótipos dos homens/meninos que dançam e o contexto das mulheres/meninas nas danças compõem o currículo escolar.

Especificamente no que tange às danças urbanas, conteúdo indicado para o 6º e 7º ano, temos como indicativo de habilidade, segundo a BNCC: “(EF67EF13) Diferenciar as danças urbanas das demais manifestações da dança, valorizando e respeitando os sentidos e significados atribuídos a elas por diferentes grupos sociais”. Perguntamos: Como valorizar os conhecimentos culturais trazidos pelos/as alunos/as da sua realidade, se esses não podem ser debatidos e vivenciados na escola?

Já para o 8º e 9º ano, a BNCC propõe as danças de salão e novamente sugere que a habilidade “(EF89EF14) Discutir estereótipos e preconceitos relativos às danças de salão e demais práticas corporais e propor alternativas para sua superação” faça parte dos conteúdos desenvolvidos.

Por fim, entendemos que o trato das danças nas escolas está para além de um fazer meramente técnico e, desta forma, a dança contribui para uma formação plena e crítica dos/as alunos/as.

Acreditamos que os saberes ligados à sexualidade/gênero potencializam essa formação e, quando tratados de forma responsável e com fundamentação teórica, são importantes ferramentas para o combate à LGBTfobia, misoginia, violência sexual, preconceitos contra crianças e adolescentes que são rotulados diariamente por não corresponderem aos padrões normativos vigentes.

 

Diante das justificativas, somos veementemente contrários/as à aprovação desta lei.

 

Campo Grande, MS, 21 de março de 2022.

 

 

Núcleo de Estudos Néstor Perlongher – NENP (UFMS/CNPq)

Impróprias – Grupo de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Diferenças (UFMS/CNPq)

Liga Acadêmica Multidisciplinar da Saúde do Adolescentes – LAMSA (UFMS)

 

[1] ROSA, Marcelo Victor da; RODRIGUES, Iara Aparecida; BORGES, Andrey Monteiro; OSORIO, Antônio Carlos do Nascimento. “Porque eu gosto e principalmente funk, mas a professora não permite”: uma análise da percepção de alunos/as em relação a dança na educação física escolar. Educação On-Line (PUCRJ). Rio de Janeiro, n. 33, v. 15, p. 26-46, 2020.